Minho

O sol nasceu há pouco e isso nos faz crer a claridade que inunda o vale já que as montanhas que o definem, altos impérios, fantásticos monopólios de verde, nos impedem a contemplação desse instante que faz o dia sobrepor-se à escuridão da noite.
Mas as montanhas, mágicas, só por si, são já uma enorme compensação.
E é pelo vale que sigo paralelo ao rio e por entre os muros de granito, na cumplicidade da vinha “enforcada” que dá um tecto aos quintais, e da imponência dos carvalhos. Aqui e ali há castanheiros que do alto do seu viço parecem piscar-me o olho, sabendo eu como sei que escondem dentro de si uma das maiores e melhores marcas do Outono: as castanhas.
A estrada é estreita e leva-me a atravessar uma infinidade de aldeias onde os arcos coloridos erguidos ao alto me dizem ser Agosto e celebrar-se a festa do reencontro de todos no regresso dos emigrantes, heróis do trabalho e do nosso tempo. E nem importa se ainda falamos a mesma língua pois foi pela genética da alma que fomos convocados e estamos aqui, e também pela saudade, sentimento e palavra exclusiva da gente lusitana.
Há música no ar e a estrada vista assim parece o fio de um rosário onde as aldeias são ave-marias e padres-nosso, contas que desfio até ao meu destino… que não é destino.
Em breve chegarei a Terras de Basto e a visão do Monte Farinha, terra ao jeito de “Pico”, erguendo-se ao céu na criação de um altar para a Senhora da Graça, obriga-me a uma paragem. Há que saborear e registar este momento.
Faço-o na vizinhança de uma fonte sem nome que traz da montanha a sua seiva, a bênção da água fresca que me mata a sede e me refresca o rosto neste dia de canícula que fez a temperatura subir até uns quase impossíveis quarenta graus.
Estou só e com todo o tempo para mim num passeio sem meta, por um caminho feito assim deste espaço que sem previsão vou percorrendo apenas ao sabor do que a vontade me vai segredando a cada instante.
Um passeio ao jeito dos dias.
Há por detrás de mim um velho muro, impenetrável parede que há muitos anos o Homem construiu pela arte de encaixar pedras de granito. E deste muro onde as raízes são algo difícil de imaginar, sai viçoso um ramo de pequenos malmequeres.
Os muros são como o silêncio, cúmplices na impotência de matar malmequeres e... o amor.
Talvez porque quando amamos tanto assim até das pedras conseguimos fazer terra que alimenta as mais profundas raízes.
E o teu silêncio, aparência de morte, é afinal terra fértil porque carrega nele essas lembranças do teu olhar que me beija até mais do que os próprios lábios.
O dia segue quente, acaricio os malmequeres e faço-me à estrada agora na companhia da água fresca que não resisti a “colher” da fonte.
Vou pelo Minho, terra perfeita de verde nas suas serras e no vinho, sem destino mas encontrando-te.
E por ti, encontrando-me.

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