Figueira da Foz

É o Atlântico que o olhar sempre nos revela quando dobramos uma esquina, qualquer que seja a nossa rota. E este é o doce privilégio da Figueira.
E percorrendo a marginal rumo a Buarcos, à esquerda o mar, de um intensíssimo tom de azul, impõe-se sempre por maior que seja o tapete de areia que de oiro nos faz o caminho até às ondas que não resistem e que em espuma branca se desfazem no beijo infinito a esta terra.
Ao longe, subimos à Boa Viagem e da vista que parte de Quiaios vemos como por três linhas paralelas de verde pinho, oiro de areia e azul Atlântico, se desenha o destino marinheiro de Portugal, a janela perfeita de onde a terra namora o mar.
Quem nunca subiu até aqui por favor não diga que conhece Portugal.
E a Figueira é a Foz, do Mondego, ilustríssimo príncipe das Beiras, estrada que ao mar entrega a herança maior da terra e da gente guerreira da Lusitânia.
Cheguei há pouco à Figueira vindo de sul e ficarei por aqui a gozar o repouso de uma noite. E na Figueira, sempre que entre céu e mar, o azul se apaga para que brilhem as estrelas, a brisa perpetua na noite esta imperial e constante presença do mar.
Hoje viajei de carro na companhia dos meus pais e numa conversa a três que dispensa sempre quaisquer estações de rádio ou CD de música.
Mas poderíamos ter chegado de comboio como há precisamente vinte e cinco anos quando com um grupo de cinco amigos chegámos para umas breves férias.
Desde Vila Viçosa fizemos uma viagem de doze horas de comboio, ficámos num apartamento só com quatro colchões o que obrigava que de forma rotativa um de nós dormisse numa tábua, despejámos o lixo durante o fim-de-semana para um sistema de recolha centralizada que já estava desactivado, e a senhora que chegou aos escritório que funcionava na antiga casa da porteira do prédio deparou-se na Segunda-feira com todos os restos da comida que nós próprios preparávamos, íamos ao cinema às sessões da meia-noite numa sala que cheirava intensamente a “Benzovac” e onde apurávamos o vencedor do concurso “Quem mais ressona”, e um dos Paulo’s, embalado na onda do gel que há poucos anos substituíra com vantagens a brilhantina, até fez um penteado com aplicações de pipocas…
Passei há pouco pela varanda da “nossa” casa. Continua igual.
Olhei o mar que se vê tão bem desde a esquina dessa rua que lhe é perpendicular, quase incrédulo pelo quarto de século que passou. O mar também continua igual.
E eu?
Acho que também continuo igual, em quase tudo e especialmente na fidelidade à vida, ao amor e aos sonhos numa espécie de genética da esperança que se apagará comigo.
A brisa fresca fez com que recolhêssemos ao hotel e eu escrevo olhando a janela que dá para uma imensidão de negro onde de vez em quando piscam luzes que parecem imitar o infinito brilho das estrelas.
E que me importa o negro se o regresso do sol me devolverá pela manhã o azul do mar.
No ciclo do tempo, como na vida, há sempre um amanhã… porque o sol, irmão da sorte, nunca nos falha.
Todos os lugares carregam a sua própria magia que é potenciada pelos pedaços inesquecíveis da nossa própria história quando algures no tempo nos cruzámos com eles.
E a Figueira, Foz do Mondego é também assim perfeita por ser mestra de vida e pela cumplicidade que me oferece aos sonhos, hoje, tal e qual como naquela partilha de 1988.
A Figueira e o mar Português, cúmplices, no legitimar de todas as esperanças.

Comentários

  1. Muito obrigado Joaquim pelo correr da tua pena sobre os encantos passados e presentes (ainda terá alguns!!!!) da minha terra, que me fez recordar momentos muito bons. Recuando umas boas dezenas de anos, Jorge de Sena sentiu e escreveu algo semelhante, no seu único e sublime romance - Sinais de Fogo.

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  2. Grande aventura ... já lá vão 25 anos quem diria!!!

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  3. Grande aventura ... já lá vão 25 anos quem diria!!!

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