Trás-os-Montes

É o mesmo sol que conheço de cor do Alentejo, este de brilho intenso e com a força de um imenso braseiro, que abençoa de luz o olhar na hora em que subo ao Castelo de Montalegre.
Pedra sobre pedra, o Homem, forte e cúmplice do granito, acrescentou metros à altitude já de si majestosa do monte, e assim por certo cruzou o quilómetro, abrindo uma janela única para as terras de Espanha, fortaleza para as terras de Portugal, que essas sim são nossas, e mais do que tudo, importa defendê-las.
E a neve do inverno é hoje tão-só uma breve recordação, e simultaneamente uma promessa que o tempo irá cumprir depois de aliviados os ouriços ainda verdes dos milhares de castanheiros que nos servem de caminho desde aqui e até Vilar de Perdizes.
Hoje, a magia não anda oculta por terras do Padre Fontes.
Não é sexta-feira dia 13, é 15 de Agosto, e a banda lá longe no terreiro já afina instrumentos e dá os primeiros acordes para a festa da Senhora, que nesta terra só poderia ser da Saúde. Os sinos alinham o som com a banda e com a música dos quiosques das comidas e bebidas, e dos carrosséis, que as festas da alma são sempre melhores assim, quando não descuramos nenhum dos mais ínfimos prazeres do nosso corpo.
A rota leva-me até Chaves e depois Vila Real, e a paz que a terra transparece, a beleza da paisagem que cativa o olhar, são mais do que mezinhas ou chás patrocinados pelo saber milenar que passou de boca em boca, são eficazes vacinas ou remédios para todos os males, que nenhum há que chegue ou se manifeste enquanto estamos aqui.
Sei que mais abaixo está o Rio Douro, mágica estrada de água até ao mar, depois de milhares de socalcos, degraus preenchidos de cepas e vinho, que quero descer com o olhar como o fez Miguel Torga desde São Lourenço de Galafura.
Mas há muito que o horizonte se nota turvo e não é só pela força do sol e do calor que o astro-rei impõe à terra.
A serra arde e o fumo cinza e negro que sobe ao céu é algo semelhante ao triste repicar dos sinos na morte do campo às mãos do Homem, do seu descuido ou da sua mais perversa ambição que não tem limites.
A estrada para a Régua está cortada no exacto ponto onde uma pequena multidão desespera por novas dos seus bens que abandonaram ao fogo e ao cuidado heróico dos bombeiros, reais santos dos nossos dias nascidos do despojamento total de si mesmos.
O fogo que mata o campo e fere de morte as vidas da gente na agonia deste dia quente, matou hoje, como mata sempre, a poesia, e para mim, Torga e Galafura continuarão como um projecto a cumprir nos dias do futuro.
E talvez a vida tenha reservado para mim algo de muito especial quando o miradouro estiver disponível para o meu primeiro olhar.
Talvez um beijo…
É preciso fazer justiça ao campo e imitarmos-lhe a esperança.
Em breve virá a neve e depois dela nascerão flores na primavera.
Sigamos firmes por ela com a perseverança da terra de Trás-os-Montes, senhora eterna que nunca se deixará morrer.

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