Altares de granito (Férias – Dia 2)

Algures numa das ruas íngremes de Monsanto, a dona de uma das lojas vende-nos uma Marafona, a boneca de trapos e sem olhos que ela nos garante proteger do mau-olhado e das trovoadas, com o benefício acrescido da indução de uma extraordinária fecundidade.
Não acredito no mau-olhado, não tenho medo das trovoadas e quanto à fecundidade… que ela me ajude no que às palavras e aos sorrisos possa dizer respeito.
Na soleira da porta da loja há um velho sentado num banco de granito, o tão inevitável granito de Monsanto; ar sereno, um rosto intemporal, e um olhar que sorri feliz a quem passa hoje por aqui.
Percebe-se no olhar a “fecundidade” dos afectos abandonada à solidão dos mais tristes e da má sorte, destino tão duro quanto estas pedras que se confundem com as paredes e os telhados das casas.
Ao fundo, no miradouro, avista-se a Estrela, e é de sobro, azeitonas e pasto, o mar por debaixo dos nossos passos.
Monsanto?
Um altar de granito nascido da terra para trono de heróis e teimosos, os resistentes a tudo, à neve e ao estio; os Homens que foram retalhos de dor e lágrimas nas palavras do brilhante Dr. Namora.
Um altar para santos sentados à conversa com os seus próprios pensamentos numa festa privada e com o alto patrocínio da mais dura solidão.
Descemos e seguimos pelo granito até à Idanha, a velha e até mais velha que o próprio Portugal.
Não há Homens sentados nas soleiras das portas, há o eco dos nossos passos e som da História transpira aqui das próprias pedras.
No lagar de varas alguém ensaia tocando um cravo, um solitário tocador e a música em diálogo com as suas contemporâneas pedras.
Mais gente só no forno comunitário onde há pão quente a sair do forno, há borrachões e pães-de-leite.
Merendamos enquanto trocamos receitas e truques num desafio entre Alentejo e Beira Baixa com “penálties” servidos de um tinto artesanal e com toque morangueiro.
E o pão que não pára de nos desafiar pelo aroma que sai do forno de lenha.
Regressamos a Monfortinho onde nos espera o jantar na mesma varanda onde se escutam os grilos e onde as rolas quase comem nas nossas mãos.
Hoje, há o som gravado de um piano a abafar o canto dos grilos, um piano que me transporta directamente para o filme genial da Jane Campion. E do mar de verde floresta à minha frente surge uma praia, o oceano cúmplice de todos os sonhos.
Deixo-me ir…
Podem corta-nos todos os dedos, mutilar cada recanto do nosso corpo, mas jamais nos conseguirão arrancar a música que habita na nossa alma.
A eterna música.
Tão eterna quanto os sonhos e tão eterna quanto os heróis sentados nas soleiras de granito de Monsanto, os Homens que nos sorriem por cima da solidão à qual nunca se vergam.

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