Pelo tempo… à conversa (Férias - Dia 1)

Conheço bem este bafo de Alentejo em noites de verão, e o alívio fresco que sempre traz a madrugada quando os pavões do jardim começam a fazer-se ouvir em disputa com as centenas de pardais que habitam no cipreste ao lado da minha janela.
Um pouco depois, pelas sete horas, o relógio da torre do Paço começa a assinalar todos os quartos do tempo com umas muito sonoras e arrastadas badaladas.
Estou definitivamente na minha casa e esta é a banda sonora de um acordar perfeito.
O duche frio que ajuda no despertar para um dia de férias, o pequeno-almoço naquele recanto da sala que tem o meu nome, o café, dois dedos de conversa com os vizinhos que vão dizendo bom dia, uma mensagem especial com um beijo e a falar de amor…
Há alface no frigorífico, as malas estão prontas para que partamos por duas semanas, e o cisne do lago agradece que partilhemos com ele o alimento que o meu pai lhe lança em pedaços pequenos. Estamos ali os dois como muitas vezes há décadas, mas hoje é diferente, é o pai que, muito divertido, lhe lança a alface.
E hoje sou eu que lhe faço uma foto quase igual à que tenho naquele mesmo sítio com um fato azul de calções, no dia em que cumpri três anos.
Dali conseguimos ver a casa que era da avó e também os pedreiros que hoje nos compõem a fachada em obras, escutando no rádio uma música da moda: Story of my life.
E a história da minha vida será este espaço, este despertar, a minha gente e um perpétuo amor que me une aos meus pais, ainda que o tempo nos vá moldando e nos vá oferecendo novas faces.
Hoje é o pai que dá alface ao cisne e sou eu que conduzo estrada fora iniciando a “conversa” que durará um pouco mais de quinze dias.
Deixamos o Alentejo cruzando o rio em Vila Velha de Ródão, saboreando as curvas do caminho ao som das lendas da Senhora da Redonda, de Alpalhão, e também da princesa moura que de um dos lados das Portas do Rodão suspirava pelo seu amado tão inacessível ali na outra margem, no exacto local onde o Tejo parece ter acabado de romper a montanha para abrir para si um caminho até ao mar.
O Tejo, como todos os rios, é irmão gémeo da nossa vontade e não se demite jamais de traçar para si o melhor destino, a “história da sua vida”.
Até ao mar.
E a Beira Baixa é também definitivamente irmã siamesa do Alentejo na cor e no cheiro do campo que nos traz a Monfortinho.
Aqui pousámos, à sombra e esperando a noite que nos trouxe um jantar na varanda a escutar os grilos.
À conversa.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM