“Não chores…”

"Não chores pelo teu sofrimento, luta pela tua felicidade"
Dos idos de 1954, a minha mãe recorda-se de os meus avós lutarem pelo aumento de um escudo no valor pago para ceifar o trigo de sol a sol, valor que era há muitos anos de dezasseis escudos para as mulheres e de vinte para os homens.
Recorda-se de o meu avô recomendar prudência à minha avó, sempre mais rebelde e de verbo fácil, porque no Baixo Alentejo já tinham assassinado uma mulher que lutava pelo mesmo objectivo. Tinha sido um soldado da GNR com um disparo da sua arma.  
"Não chores pelos que te abandonaram e luta pelos que estão contigo"
Era solidão o que sentia pelos montes fora nas manhãs de inverno em que de joelhos nas margens dos ribeiros de água límpida mas gelada, o pão se ganhava lavando a roupa das clientes endinheiradas da terra.
As minhas avós falavam da solidão e do abandono pela sorte. Com elas vivia apenas a fé que desfiavam em perpétuas Ave-Marias rezadas à medida que os dedos cobriam a roupa do aroma do sabão azul e branco.
"Não chores pelo que perdeste, luta pelo que tens"
A liberdade chegou numa manhã de Abril de 1974, e um ano depois eu acompanhei os meus avós na primeira vez que foram votar. Estivemos horas numa fila nas instalações do Ciclo Preparatório.
Pelo sofrimento e pelo silêncio foram muitos os anos perdidos, mas agora o que interessava era o valor muito elevado do que se tinha: uma inédita liberdade.
As três frases magníficas que aqui cito neste texto são da autoria do Papa Francisco e foram recentemente utilizadas por Ricardo Salgado numa entrevista ao Diário Económico.
Os bancos mudam e passam a chamar-se “Novos”, e “Cristão Novos” também é designação que a História registou em compulsivas conversões em séculos passados, mas “Velhos Ricos” com estes “Novos” argumentos é coisa que definitivamente não se tolera à luz da memória, do bom senso e sobretudo do pudor.
As palavras do Papa que fazem todo o sentido para muita gente, para a grande maioria das pessoas minhas concidadãs e para a herança que recebemos dos nossos avós (e os meus de quem aqui falo são os meus verdadeiros heróis), dificilmente farão sentido para o “Último Banqueiro”, que por seu “mérito” e para desgraça dos contribuintes “malandros” que mais uma vez irão suportar o “experimentalismo financeiro com elevados lucros para os próprios”, se condenou a ele mesmo a esse estatuto de “Último”.
O Papa falou mais para nós do que para Ricardo Salgado, porque o sofrimento, a solidão e as perdas doem muito mais sem pão e em casas simples de pedra, do que nos salões do Palace do Estoril à volta de um lauto banquete.
A “pobreza” dos banqueiros é a “riqueza” que nós nunca conseguiremos alcançar. 

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