Serão os Homens como as uvas e o vinho? (Férias – Dia 5)

As uvas já rompem de um tom escuro de azul, o império verde das parras que se deleitam ao sol na totalidade dos degraus desenhados na montanha beijada pelo privilégio do rio.
E “D’ouro” é o rio, mas também esta esperança doce que será vindimada de aqui a muito pouco tempo.
E de ouro são também todos os caminhos, a generosidade do granito de milénios que se faz privilégio e tapete para o beijo dos nossos passos.
Passeamos ao ritmo de cada imagem que a paisagem nos oferece, contemplamos a terra, as uvas, as árvores de fruto, as flores, as cambiantes de cor que o sol e o dia vão oferecendo ao rio…
E as palavras parecem sair de nós ao ritmo da água que corre e nos oferece a calma.
Cumprimentamos a gente, apertamos as mãos que guardam todos os segredos, e também não resistimos a passar a mão pela madeira áspera de carvalho que nos tonéis oferece “leito” ao vinho no repouso generoso que o faz néctar precioso de Baco e bebida digna de qualquer ditoso Olimpo.
Claro que também erguemos a taça e brindamos com dois tintos, três Portos e… tantos, mas tantos desejos de ventura e felicidade.
A tarde passa-se à conversa e com a leitura das palavras escritas, mas sempre sentindo a paz do rio aqui tão perto a correr para o seu inevitável destino de mar.
Na tarde do Douro, leio e releio todas as lembranças de ti. E questiono-me, embora de uma forma serena:
- Serão os Homens como as uvas e o vinho?
Beberá o Homem, do sol, do mundo e da fé, o açúcar que o tornará especial e que fermentará nessa espera feita na escuridão de muitos anos, e muita gente; até ao sacro instante em que os “tonéis” se abrem pela mão de um mestre, sendo então néctar de reis e enzima de festa nos brindes por entre os quais se grita “saúde”?
Se sim, muito obrigado por teres chegado e me teres arrancado à espera e à solidão.
Por ti, por este amor e por este momento de festa, tudo faz sentido: sol, açúcar, a espera, a escuridão e tanta gente.
O fim da tarde traz uma brisa que se agradece e que se sente no instante em que regressamos à varanda onde tomámos o pequeno-almoço, mas desta vez para jantar.
À conversa e com o brilho dos vinhos da quinta que o chefe escolheu para nos acompanharem no repasto, deixamos que anoiteça porque a nenhum de nós apetece romper a festa e dizer:
- Vamos embora.
Então expressamos um tímido “até já”.
E eu penso em ti antes de adormecer, sempre a escutar o rio que corre perseverante aqui mesmo por debaixo da minha janela.

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