O mar é sempre azul (Férias – Dia 13)

Primeiro as badaladas das oito horas no relógio da capela da Casa da Ínsua, o fresco da manhã servido pelas janelas que miram ao pátio e à sombra dos plátanos centenários, e mais tarde um café acompanhado pela ousadia de uma fatia de Pão-de-Ló temperada por uma excelente compota de tomate que tem um inesquecível aroma de canela.
O dia hoje vai levar-nos até São Pedro de Moel, e o GPS alia-se a nós “empurrando-nos” para o cumprimento do destino maior do ser Português: o mar.
Em Portugal, por mais longe que estejamos do mar, estaremos sempre perto; e no contexto do universo, duzentos quilómetros são a largura perfeita para uma imensa praia.
E mesmo quando cruzamos as serras mais altas, templos e altares de imponente granito; quando nos entregamos aos caminhos bordejados de vinho ou pão; ou então quando nos sentamos na margem de um rio ou na soleira de uma porta de uma aldeia lá longe junto à fronteira; o mar sempre se pressente.
Carregamos no olhar uma genética de marinheiro; no choro, o triste tom da saudade que agita lenços e os faz voar como pombas no cais das partidas; e na alma, muito mais do que nas mãos ásperas e calejadas pelo tempo e pelas cordas que nos ligam ao sonho, temos o mundo inteiro que fazemos nosso em cada dia temperado de um incansável querer.
Por isso seguimos sentindo como inevitável esta estrada que passa o Dão e se alinha com o Mondego, tomando-lhe a rota até ao mar.
Figueira, Pedrogão, Vieira, São Pedro de Moel...
Chegámos.
Da janela hoje vê-se o mar, e os grilos, o toque breve dos sinos e a persistência da fonte que corre no pátio da Ínsua, hoje foram substituídos pelo som do vaivém das ondas que pinta a praia de um branco intenso de espuma.
E o horizonte vê-se azul lá ao longe num beijo imaginário entre o céu e o próprio mar.
Pelo caminho a mãe hoje tomou as rédeas da conversa e partilhou connosco as histórias tão cheias de alinhavos e pospontos desde o dia em que com treze anos levou de casa uma cadeira baixinha e se sentou ao redor de uma mestra que dispensava a fita métrica porque dizia ter centímetros no olhar, a mesma mestra que quando lhe pediam para baixar meio centímetro numa bainha, promovia a "emenda de cabide", pendurando a peça sem lhe tocar, mas satisfazendo a cliente...
Pelo caminho, o eco e o ressoar das palavras de amor: "gosto tanto que me ames assim"...
E um dia ganha-se às vezes entre memórias, riso e palavras de amor, quando seguimos estrada fora buscando o mar; nós, os instituídos marinheiros pela força de sonhar, os que nunca tememos fazer-nos ao sonho, de caravela, com uma caneta na mão, ou então com uma simples cadeira baixinha.
À noite, da minha janela, já não o vejo, apenas escuto o vaivém do mar. Mas depois de um dia com palavras de amor, quem é que se rende à escuridão?
"Gosto tanto que me ames assim..."
Mesmo de noite, ao luar, o mar e a vida seguem sendo azuis.
E eu... sou um eterno um marinheiro, muito mais pelo sim ao sonho nesta aventura preciosa de te amar, do que pela inevitável lusa genética que obviamente carrego no olhar.

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