As cidades eternas

A bordo de um avião da TAP baptizado de Eusébio vejo Lisboa ficar para trás enquanto escuto a algaraviada de um grupo de Italianos que revisitam as fotos num i-Pad que sacaram de uma mala onde há Pastéis de Belém comprados no aeroporto e imagens coloridas de Santo António para colar nas portas dos frigoríficos.
Por entre este histérico visionar das fotos, há uma criatura que de repente espreita pela janela e confunde o Shopping de Loures com uma enorme mesquita.
De aqui a um par de horas aterraremos em Roma com a certeza de que todas as cidades são eternas. Mesmo que não o sejam no mapa redesenhado pela História e vulnerável a tantas opções de ordem estratégica e política, são eternas em nós.
E não é só por causa das fotos, dos souvenirs mais ou menos criativos, ou até da lembrança do sabor de uns quaisquer pastéis; as cidades são eternas pelo que delas guardamos desses momentos em que foram o cenário perfeito para a realização da nossa felicidade, a sós ou especialmente acompanhados por quem amamos e a quem atribuímos o título de especial.
Por isso é que há cidades que amamos sem conseguir arranjar um detalhe arquitectónico, geográfico ou outro, que o possa explicar.
Ontem ao fim da tarde passeei sozinho por Lisboa. Deixei umas amigas no Terreiro do Paço e subi a Rua Augusta até ao Rossio para depois chegar ao Chiado.
Sem as lembranças de outras tardes, Lisboa seria apenas um desenho cuidado e perfeito de linhas de pedras vazias de vida. O solo bordado pelos tons do basalto.
A Lisboa eterna acompanhou-me a mim nas lembranças das palavras, dos olhares, das cumplicidades e até da paixão por aquelas Bolas de Berlim cujo creme parece ser uma derretida boca na expressão de um irresistível sorriso.
As lembranças que me assaltaram a cada esquina e a cada mais pequeno detalhe.
Por entre a saudade, claro.
Depois das divagações sobre as privilegiadas relações de Portugal com o Islão com base nas dimensões gigantescas de uma “mesquita” implantada ali no vale de Loures, as mulheres divertem-se agora a fazer fotos aos maridos que já dormem (ou fingem para não terem de as aturar e de lhes dar resposta).
A Italiana da frente "esmagou-me" como se faz ao fiambre numa sandes quando resolveu recostar o banco, e a gorda ao meu lado já cruzou a perna e já me deu um pontapé.
De aqui a nada aterraremos todos na sua cidade a que chamam eterna, comerão os Pastéis de Belém, porão o Santo António a brilhar nos frigoríficos entre a Torre Eiffel e a Estátua da Liberdade; mas nada disso será mais eterno do que tu em mim e nas saudades de Lisboa.
Nem a própria Roma.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM