O amor é este fluir de vida por entre a liberdade


Existiu um papagaio que pertencia ao vizinho Ezequiel, que estava numa janela mesmo em frente à nossa da Rua de Três e que me ensinou a dizer a minha primeira palavra: olá; mas a razão mais profunda para eu gostar tanto de falar será a genética e toda a herança que por ela recebi do meu pai.
Não será portanto de estranhar que nem um segundo de silêncio existiu no espaço do meu carro quando viajámos de Évora para Vila Viçosa num fim de tarde desta semana.
Sob um céu de um tom negro que descarregou chuva quando já estávamos entre o Alandroal e Pardais, acho que não houve tema que deixássemos órfão até que chegámos, e nem sei por qual caminho, aos namoros de antigamente.
- Eu comecei a namorar a mãe num baile ao ar livre no casão do “Cai nessas”.
As alcunhas alentejanas dão cabo de nós.
Continua o pai…
- Eu tinha uma namorada de Bencatel que estava zangada comigo e não queria dançar, e eu fui à procura da rapariga mais bonita que havia por ali para lhe fazer inveja. Encontrei a mãe.
Fiquei eu então com vontade de ir procurar a tal senhora de Bencatel para lhe enviar um ramo de rosas em sinal de agradecimento.
- E deu logo em namoro?
Perguntei.
- Não porque ela fez-se difícil. Mas já viste como nasceu um amor que já tem mais de 56 anos.
Um filho comove-se quando o seu pai com mais de setenta anos lhe fala de um amor que persiste; e a família é essencialmente este espaço onde os afectos fluem livremente e sem travões, a genética de um amor sobreposta a todas as outras… até ao vício de falar muito.
Os meus pais lêem avidamente o que publico, e num outro dia em que estavam aqui por casa e eu tive de sair, deixei-os com quinze poemas que publiquei numa colectânea. Todos falam de amor.
Quando cheguei perguntei-lhes se tinham gostado. A minha mãe antecipou-se a responder, e por entre elogios que me fizeram corar e sem que alguma vez caísse na banalidade de me perguntar a quem se destinavam tais palavras, disse-me:
- São todos muito bonitos e eu fico muito vaidosa; é que sendo tu a escrevê-los, fui também eu que os escrevi.
E o amor é este fluir de vida por entre a liberdade.

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