Um pouco mais de Céu...



Nascida em 1909, a Tia Maria Teodora contava-me que quando criança e por alturas da Primeira Guerra Mundial, ao chegar a novena da Senhora da Conceição, as mulheres iam para a igreja com os mesmos xailes grandes e de cadilhos com que de manhã se abrigavam do frio de Dezembro na apanha da azeitona.
Sem bancos corridos e com as cadeiras reservadas para aqueles que se oferecem estatuto de mais próximos de Deus, restava pois o chão para as mulheres se sentarem a ouvir o pregador, que afortunadamente não falava em latim.
Afinal, o chão nunca é coisa estranha para quem cuida a terra.
Durante esse tempo de serão, em que o cansaço as vencia e elas dormitavam, os rapazes e as raparigas entretinham-se a atar os cadilhos uns aos outros ligando os xailes que caíam todos numa longa linha no instante em que elas se levantavam.
Ontem fui com a minha mãe à novena pisando o mesmo chão mas sentando-nos nos bancos de madeira.
A fé será a mesma de há um século, o castelo, a igreja, o ar frio de Dezembro que corta o adro...
O pregador, o muito estimado Padre Francisco Couto, perguntou a determinada altura da sua intervenção:
- O que é que vos faz vir aqui e procurar Jesus.
À pergunta seguiu-se o silêncio mas eu respondo por aqui:
- Um pouco mais de Céu, tão difíceis andarão as dores dos dias aqui pelo chão.
Hoje como há cem anos em tempos de outras guerras e outros “cadilhos”...

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