A coerência de voar



Quando conversámos ao telefone no início desta semana acabámos a partilhar a memória que guardamos do vento frio das noites de Natal em Vila Viçosa, quando após a consoada os nossos pais nos traziam abraçados a eles desde a casa dos avós até às nossas onde iríamos dormir.
O vento que sopra forte ao alto da Praça na esquina de São Bartolomeu... e os braços dos nossos pais de onde bebemos a genética do melhor que somos.
E tanta vida guardamos desses dias que nos moldaram pelo amor que transbordava.
Guardo na memória uma outra conversa nossa, mas esta de há muitos anos, em que me confidenciavas que o melhor que já tinhas sonhado era voar sobre Vila Viçosa. Fomos pelas palavras novamente até ao Carrascal para me descreveres como era bom abordar a Praça de braços abertos ao jeito de asas, voando por sobre as árvores, o Henrique Pousão, a fonte...
A ambição de voar e a coerência dos sonhos no atravessar de qualquer idade, tal qual a amizade que nos une, os aromas de todas as estações, do verão... e o capilé feito pela tua mãe para os teus lanches de aniversário e para os do Pedro, será sempre a melhor bebida do mundo para nos refrescarmos.
Tu cumpres hoje cinquenta anos, mas isso pouco importa; o passado é apenas a nossa história e guarda-se nos baús da memória, arejando-se às vezes nos serões das conversas de amigos.
E não fora a saudade desses dias em que nos apoiávamos nos braços que foram ramos do melhor tronco que nos fez fruto...
O que nos define a idade é tudo aquilo que queremos e sonhamos viver; e para nós é ainda muito mais do que o muito que já vivemos.
Continuamos rapazes a saltar entre os bancos de pedra da Praça, ou então a escondermos o rosto entre as mãos apoiadas no tronco da árvore onde prendiam o cartaz do cinema, na placa central e quase em frente à casa do Manuel, para que todos os outros desaparecessem no jogo das escondidas em que o último poderia "salvar tudo", ou seja todos aqueles que tinham sido apanhados pela visão de quem fizera a contagem até vinte.
Continuamos rapazes por entre as gargalhadas, as histórias, as cumplicidades, as memórias, os cheiros de todas as estações…
Seremos sempre novos na coerência de ousarmos voar por sobre as praças todas do universo.
E não fora a saudade…
João Paulo, muitos parabéns.

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