Diário de bordo


Os dois cálices de Porto desentorpecem e soltam as confidências, mas com muito pouco de novidade nas palavras, habituados que estamos os dois à linguagem dos olhares e dos gestos, os infalíveis fiéis à verdade incapazes de respeitarem quaisquer silêncios que lhes sejam sugeridos.
Eu amo-te, e o meu braço que te envolve inquieto desde o Chiado e a mão que te acaricia a cada minuto às vezes incompleto, não se têm cansado de o dizer.
Porque o amor que semeias em mim transborda, suplanta todos os poros e todas as expressões; sinto-o aqui nesta mesa onde estamos frente-a-frente à sombra de uma casa de Lisboa.
E entre nós, o néctar fresco da cor do ouro vai-se sumindo aos poucos nos tragos que enfeitam as palavras que falam de nós.
Vejo-te perfeito e faço-te uma foto.
Como se a minha memória pudesse alguma vez trair a eternidade guardada no teu olhar que abençoa este instante?
Depois voltamos a caminhar...
Não tardamos a sentar o nosso abraço à proa da cidade, olhando o rio e desfolhando uma história que hoje vem enfeitada pela flor de uma sardinheira lilás que atravessou comigo todos os verões.
Sentimos a brisa e sentimo-nos definitivamente heróis desta pátria dos sentidos conquistada após tanto navegar.
Enquanto os Cacilheiros desenham no Tejo uma estrada de espuma, nós damos um beijo e rogamos ao tempo que passe devagar; queremos sentir cada segundo destes quantos que nos levarão juntos até à noite.
A noite mãe de uma tenda que o luar coroa e onde nós entramos, a casa onde desdobramos a alma, decompomos os muros das reservas, e nos aconchegamos por entre a partilha de doces segredos.
Cada tijolo que cai revela-me de ti o desejo nascido em mim pela vontade, e oferece à nossa história todos os anos que eu já vivi.
Depois adormeço a pensar em ti… mas sempre à proa da cidade.

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