Milhares de mundos numa noite de insónia

Cabem milhares de mundos numa noite de insónia daquelas em que um mosquito nos assalta o ouvido com o seu voo e em que nos auto-infringimos um estalo que o visa liquidar, um gesto que à posteriori percebemos ter chegado atrasado porque o zumbido cresceu de intensidade... quiçá pela revolta...

O calor e a incessante busca do lado fresco da cama que o nosso corpo esmaga em segundos...

A esquerda e a direita por entre a fé de que a próxima viragem de corpo é que me vai trazer o sono...

O aliviar da bexiga e o crer por momentos que esse órgão é responsável pela ausência de sono...

Um copo de leite frio...

O caderno vermelho...


Há poemas acesos no ar tingido pelo aroma das rosas que o teu olhar beijou, e as palavras tantas que por eles me acodem à lembrança sinto-as tão minhas de verdade.

O sol intenso que a cal reflecte e me envolve no dia quente do sul tomou o jeito dos teus braços que me conhecem de cor, e oferece-me aquele doce desassossego que o meu querer pede por entre um vazio chamado saudade.

O chão das pedras que o verão queima canta agora o eco dos teus passos, as ruas tomaram nomes herdados dos gestos e das novas palavras que nelas semeaste, e as laranjeiras são tectos verdes e informais da vontade incessante de beijos...

Na noite de quente de Vila Viçosa, entre mim e o silêncio interpõe-se o toque de uma gaita de foles que a Feira Renascentista trouxe aqui até à porta; e assim, entre mim e o sono passas tu a caminhar no pensamento que nunca cessa.

Já não me recordo do mosquito.

Tu passas e ficas comigo até eu adormecer.

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