Esta noite não parei de sonhar


Nos recantos mais secretos que a noite esconde em si e por entre os mistérios que só o luar às vezes revela, vive num palácio de janelas altas rasgadas por glicínias e palavras, um príncipe Celta encarregue de guardar o céu no seu olhar; todos os dias e após o pôr-do-sol.  
Herói e guardião do universo, há noites em que abandona o palácio levando sempre o céu consigo, e bate à porta de um pobre e humano pastor, entrando e sentando-se para conversar.
Diz o pastor que estas visitas se chamam sorte, e diz o príncipe que é muito bom ter com quem partilhar o céu.
Cúmplices de tanta vida, conversam longas horas à luz de um chá de camomila e de torradas barradas a compota de nêsperas ou cerejas colhidas na serra, provando que é demasiado ténue a fronteira entre a humana condição e a divindade dos heróis. Basta tão-só um quase imperceptível toque ao de leve na porta, de alguém que pede para entrar.
Um príncipe nas noites temperadas de lua e por entre uma história que marca a vida… ao jeito de uma lenda Celta.
Depois, quando a noite já se faz longa, o príncipe olha para o relógio e parte após dar um beijo ao pastor, muito a tempo de entregar o céu ao dia que se prepara para nascer.
O pastor descansa um pouco mais até sentir que clareou.
Depois levanta-se e corre para a rua para ir trabalhar, sempre com a tez sorridente dos apaixonados.
Diz quem o ouve que ele bendiz a sorte e não se cansa de repetir:
- Esta noite eu não parei de sonhar.


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