O velho, o anjo e o paraíso



Diz-se na minha terra que sempre que um anjo parte para o Céu escolhe um velho para lhe ensinar o caminho e seguirem juntos.

A Tia Maria, irmã do meu avô Joaquim, foi uma das mulheres que mais me marcou a vida, e de forma muito positiva.

Companheiros nos serões de muitos anos quando eu ia dormir a sua casa para lhe fazer companhia, acabávamos quase sempre por abdicar da televisão para estarmos os dois à conversa. Foi com ela que aprendi a contar histórias e foi ela quem me ensinou a gostar de Lisboa, a cidade onde tinha vivido muitos anos e que era palco central da "Crónica d'El Rei D. João I", do Fernão Lopes, que líamos em conjunto. Também foi ela quem me provou que o bom é péssimo quando temos condições para ser excelentes, e que sermos exigentes connosco próprios é a raiz de uma árvore que dará bons frutos.

A Tia Maria que tinha nascido ainda nos tempos da monarquia partiu faz hoje precisamente 20 anos no dia a seguir à partida de um anjo que o Céu convocara inesperadamente. E sentados na Igreja de Santo António num dia quente como o de hoje, recordo-me de alguém ter lembrado a viagem conjunta que faziam.

Ontem a minha amiga Maria Vicência lembrou a partida do seu anjo por entre uma dor que é sua e que nós nunca conseguiremos imaginar e eu resgatei da memória esta história.

A Tia Maria seguiu com o melhor anjo, o filho querido da Vicência, e o anjo teve o "velho" mais sábio e fantástico para o acompanhar.

Vejo-os daqui sentados os dois no paraíso à sombra de um limoeiro, na margem fresca de um regato a contarem histórias um ao outro e à nossa espera.

Com flores, sei que a Tia Maria me perguntará na chegada e como sempre:

- O que é que fizeste hoje? Quando nos deitarmos temos de ser melhores pessoas do que quando acordámos.

E o seu anjo sorrirá por certo e passaremos a tarde a contar histórias.

Por entre as flores.

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